falas curtas, anne carson: os dragões

Published July 19, 2023

de que serve uma história que não tenha dragões venenosos

ponha para repetir a maluca
vai, vai que eu te espero
a maluca da cassia eller
(entende, não servimos comida para uma)
acenda seu melhor cigarro
era um caminhão
era um caminhão carregado
de botão de rosas

não sei quando você vai entender que me olhar é o de menos
se é mais estranho a pergunta ou o não saber responder

Faço qualquer coisa para evitar o tédio. É tarefa para a vida inteira. Ninguém consegue saber o necessário, empregar sempre com a estranheza necessária os infinitivos e particípios, impedir o movimento com a necessária rispidez, abandonar a própria mente com a velocidade necessária

ele me perguntou se eu já tinha feito um bigode como se soprasse uma pista. e é o mesmo que me perguntou como eu me definia. estou a espera do momento que viveremos todos os instintos ao invés desse monocórdio eu tenho que eu tenho que eu tenho que. o que conta é a rua com a casa o seu fundo a piscina e a priscila com seus zines. meu corpo convidado para sentar logo ao lado do seu. todo encontro é muito específico se você sentar um pouco e respirar e não ficar tão ardido com alguma coisa em mim. ser doce só de longe é o de menos. quero encontrar uma maneira que toda modificação no meu corpo não seja porque tenho partes estranhas a mim, e sim porque também somos bons de outras formas e quero outras formas de ficar bem. as vezes me pego de frente pro mar de maxilar travado. o lama disse relaxa o couro cabeludo e foi então que descobri outra forma de retesamento do que penso. é difícil quando não tenho muito tempo para jantar com colher de café. foi ele também que fez a pergunta mais bonita da semana, mas isso é um segredo. não sei nem se ele percebeu.

por flor tenho loucura

quando tocou it’s too late babe now it’s too late o coração quase aliviou. preciso achar um jeito quando tem muita gente e é um peso no centro da cabeça no topo da cervical, embora o oposto simétrico seja o meu desmoronamento também. é tudo se pá sobre manter o equilíbrio alguns passos depois do impossível e ficar tremendo o quase alcance. quantos anos eu estou assim? trinta e cinco anos (estou tentando não acabar num hospital psiquiátrico como minha bisavó, a minha vó, como aquela que escolheu entrar no rio)

sem querer penso nesse encontro em que estamos tão possíveis. umas coisas um tanto certas demais. seu movimento que não me era habitual e ainda assim me conhecia. alguma coisa na almofada da sua mão tem parte com a sua franqueza. até os dedos com cortes. fico num cadê cadê cadê cadê a hora que sinto catar um lugar para dizer eu sabia. é aqui. eu sabia, aqui devo me proteger. você me dando só o que não sei. o jeito que você fica. sustenta o silêncio frontal dos nossos rostos. sinto vontade de pedir. você me oferece. naquele momento o gesto dos seus dedos entre os meus seria íntimo demais para alguém em algum lugar no mundo. mesmo assim aconteceu sua mão na minha. estou escondida escrevendo sobre você para guardar na memória muscular dos meus movimentos finos. recitar você e te guardar onde a ponta da língua encosta o céu da boca para falar o que eu queria estar te pedindo. preciso imaginar mais o que não aconteceu e me distrair do que foi. imagino mil vezes mil formas mil disfarces mil faces da sua cara projetada no fundo da minha testa. penso em todas as possibilidades pelas quais fariam você denotar que não passo de muito pouco. excessivamente estranha. as coisas todas me atravessando e meu corpo recolhendo uma duas três couraças caranguejo casa de casca crua não me concedo.

da chuva eu fiquei maluca

[…] gente exilada escreve tantas cartas.

se fosse um filme seria só a respiração com as imagens fora de foco. ninguém fala. esbarro. desvio. tem luz. voz de casa cheia mas nem tanto. o burburinho de uma criança correndo pela casa com os pulmões nos ouvidos. ajeito o óculos. já ando com o ouvido entupido e desde lá não ouço bem. sei lá do feio e do bonito. envelheço reclamona e espaçosa. ela toma sol com as tetinhas de fora. pede grindcore para acompanhar com o seu tanquinho que na gringa chama wash alguma coisa que você fala nas bochechas. escolhe ensaiar a linha de baixo no sol da tarde e fico achando tudo cabível para a sua pessoa ex-jovem mística exotérica mingau com cúrcuma e pimenta do reino. você nem vai poder fazer sua dancinha com esse baixão tensionando cara de fritinha. o pessoal de toda escola se chocava com as turmas de mulheres fazendo roque. quem pensa que era só isso não entendeu nada.

Quando penso em vocês lendo isto eu não quero vê-los capturados, separados de sua própria vida por um vidro reforçado com grades de metal, como alguma Elektra

a primeira coisa que corto nos meus textos são eu e mas. você pode até elaborar as possibilidades inconscientes que saltam nesses cortes. daqui, as mesmas palavras riscadas perguntam uma a uma “quem você pensa que é?”. escrevo assim como quem não vai fazer nada disso, me distraio, dou dois passos para o lado, finjo inocência. deixo você caçar o que quiser. canso.
Ela disse autocontrole ela disse fim do caminho. Não disse zumbindo suspensa no ar o que você veio fazer derrube.
volto como se fosse o último primeiro dia a viver. me ofendo com a pergunta que cobra, você sabia? ela é a minha frase que uso como a um deus que está sempre me perguntando, você precisa realmente disso? te juro que é como se eu pudesse só ser assim. congelo. de repente é só assim que realmente posso ser. é 2023 não é possível que ninguém aqui tenha estado no lugar desse barulho todo tudo te estica pesa treme mais um passo sem quebrar os ossos. ter boa memória é uma dádiva. mas o rancor é uma memória tão áspera. não sei que coisa grandiosa você fica pensando enquanto confirma para mim (e para você) que me lê. eu queria chegar viva sem ter tanta vontade das coisas que não fiz. é tão simples que fico pensando que tinha que acabar de outra forma a frase. eu preciso desistir disso. acaba-se como se é e eu só queria uma coisa muito simples. senhora borges, eu vou abrir mão de todas as vírgulas não porque anne carson. mas porque alguma coisa em mim não pode parar para respirar ou desmorona.