no reino dos afetos, bruno berle: o caminho

Published April 22, 2024

atrás do entardecer
a força que existe em mim de estar vivo

na análise ela tentar ir atrás das memórias mais antigas. no argumento extirpar as vicissitudes. na cozinha acertar o tom do sal. nascer para a vida deve ser como respirar água e manter-se nela é algo depois do choro. a gente precisa aprender a equilibrar a cabeça. tem o movimento de pinça e esse frisson com o dedo opositor. mas - se você quiser - repara para olhar a vontade de registro. um dia não tínhamos as palavras, as aulas de arte, as oficinas de escrita, a academia de letras, o caderno de caligrafia, o pincel apropriado. tinham as paredes de rocha. os dedos. uma semente e nela tinha a sensação de uma cor. alguém que macerou sem a palavra com o pote. o que é macerar uma semente e a primeira pessoa que um dia será ou não chamada de mulher. muito antes da mulher como será que sentíamos essa vontade por outra. alguém foi com as mãos e fez com a casca o que me faz seu nome.

eu quero escrever o ângulo do seu ombro assim como canta legião urbana a minha vizinha e rindo baixinho canto com ela. poder dizer o que sei desse futuro a vida já não é suficientemente descolada de qualquer razão prática? no fim do dia segurar sua mão enquanto com a outra você fuma. aprender a olhar. já ouço um silêncio de sala cheia (eu nunca estou só). uma voz muito sozinha para uma sala cheia dizer não sei nem porque quer tanto parecer tentar. pensar que você entenderia o que é enfileirar muitas peças para nada. precisar muito sumir. esconder alguma coisa que você desconhece só porque dizer é ao contrário do falar. só entendo a razão prática do silêncio.

depois é mais calmo. o que não quer dizer pacífico. manso. algo vai pros ossos do rosto. algo de solitário esta sempre de vigia. as pessoas parecem tremer mais depois de certa idade. se toda sensação é uma descarga elétrica do que são feitas as células? conversar seriamente sobre isso.

pudesse eu ver a estrada
ver o amor em seus olhos
buscar todo amor do mundo para te dar

muito tempo naquele eco de igreja faz você pensar o som da palavra sempre naquele fundo. não me ocorre a necessidade de fazer sentido. escrever tem que ser algo como desenhar em rochas. falar até que faça palavra. tropeçar no som até que algo encontre sua quantidade de sentido. tenho medo que precise ser outro nome porque não quero ficar só. escrevo todo dia em voz alta dentro da minha cabeça. eu tenho medo de escrever para que leiam. quero escrever como quem confessa descobrindo a falta de sentido da punição porque também me custa fazer cada gesto um marco da diferença. algumas coisas são sempre deles continuadas nas nossas. tem alguma coisa entre morrer e estar vivo que me assusta.

e algo carente de nome nos diários. a fantasia é um filme infantil que é posto para repetir. repetir é ao mesmo tempo rebobinar. dizer adeus todo dia um pouco de longe. não ficar pela última vez. qual a necessidade que alguém tem em ser bom? você sabe o que é ser de um lugar. tem quem saiba fazer caminho de passagem. tem certas risadas que choram. é quando todas as situações descolam da palavra que você busca contorno. uma vez se promete em segundo nada se cumpre na terceira não se fala se você não falhar. me ajuda pensar que toda frase pode ser uma reza.

num dia de chuva e sol cantar
num dia de chuva e sol cantar
num dia de chuva e sol cantar
num dia de chuva e sol cantar o nome do meu amor

é preciso aprender a dizer as coisas sem nome. é preciso achar um bom lugar até para o que não fixa. respeitar as devidas proporções. escrever com coragem um dia você vai acertar ubatuba por paraty vindo de são paulo porque tenho vício por frase interna. ser específica. fazê-los lembrar de nós.

quero dizer que estou no caminho

para lembrar que durante o caminho pode haver medo. presenças que sobem pela pele e sopram nos ouvidos. uma voz delicada pode ser cruel. não consigo ligar para ninguém que me conheça chorando. queria perguntar para quem gosta de mim se num dilema ético você escolheria mentir ou me machucar.

logo será dia em meu coração

tudo de certa forma machuca e por isso me obriga à cura. não sei ainda o que faço entre o espaço que ocupo e seu corpo mas me interessa muito o formato da mão. a postura do seu dorso. o queimado da gola da camiseta em relação ao todo da sua pele. a parte do seu rosto que parece ter olhado pro sol a ponto de começar a criar pontos de marrom e vermelho chamam de anterosto. estou achando que isso quer dizer alguma coisa porque seu nome tem algo de antenome na curva do seu olho quando permanece em rir para mim.