erosão, mariá portugal: o sedimento

Published August 2, 2023

yo colecciono fotografías de todas las horas de mi vida
e intento enviarte por telepatía

gosto de um jeito que não pode ser dito com as palavras ‘tenho saudade’. não quero habitar o que sinto nas faltas. onde tem falta escolho preencher: quero o encontro. já não é como quando você se aventurou a descobrir minha boca com as mãos. hoje estou pretensiosa, quero mais coisas que não sei. e, mesmo que continue sem poder - trapaceio - acendo uma vela para manipular o fogo possível. sou capaz de coisas parecidas com rinocerontes invadidos. se podes ver repara. se não fizer bom tempo amanhã, ouça. o pretérito imperfeito não me compete. se eu te der as costas, saiba, é um convite.

o dia que a encontrei era sol. ido o sol, restou um frio abrupto. chegaram os cachecóis, as blusas que sobravam enquanto havia luz natural. a luz da rua não aquece. meu corpo aquém de corresponder a tanta expectativa. cada pensamento é uma corrente elétrica? a saturação mental é uma descarga elétrica? a síncope das pernas que foram minhas, um dia tão minhas, tão distraídas e minhas, entre as outras minhas pernas que não param de bambolear na manifestação da sua presença. sou bicho bruto e desajeitado. o tempo do meu coração é da ordem dos sons de cada pata da manada que corre no platô do meu dito comportamento funcional. onde encaixo a respiração no meio dessa disparada? entre os maiores mamíferos conhecidos da terra, eu. infelizmente medrosa. ainda assim, leal. comporto toneladas e procuro funcionar. funcionar e não embotar. não embotar e temer menos. te ligo no meio da madrugada e pergunto se você pode me salvar hoje. assim, como quem pede um cachorro quente pelo delivery. você é doce: ninguém salva ninguém aqui, mas podemos ir ao inferno juntas. me interesso demais pelas bordas. você me adverte. é realmente vertiginoso? lamber assim o fio da vida como quem nunca vai morrer.

sua música tão particular que ainda parece reverberar

o avesso, natalia. a sombra. o nariz que o cérebro não vê. quero o que ainda não encontrei como todos os mamíferos ordinários. quero o que não encontrei, e resplandecer o encontro, como todos os mamíferos que ainda teimam. quando tenho uma ideia que me toca todas as outras possibilidades de súbito morrem. insisto. não paro de olhar. repito. repito muito. repito até meu corpo amolecer. acendo uma vela. meu cigarro. ofereço um pouco da bebida para quem quiser olhar também. sou eu quem guia essa noite. e é lua cheia. triste ou cansada, quem se importa com a busca pela exatidão da palavra? que tipo de mamífero acredita em exatidão? se eu pudesse cagar para demarcar os limites do meu território assim faria. mas o universo, dentre todos os mamíferos que pisam nessa terra, me fez do tipo que teme. adora sua imagem invertida. machuca para gozar. fala antes de escrever. meu movimento fino é meu filho preferido. o encordoamento da voz. a carne da minha cara que cria o fato da palavra. vou tentar explicar: o movimento fino dentro de um corpo que corre no contratempo de uma manada de rinocerontes. repito. repito muito. demoro a amolecer demais. choro melhor que antes. não consigo parar de pensar em você e nas muitas outras coisas. quando tenho uma ideia que me toca as outras morrem. fica. foge comigo para algum céu violeta. segura minha mão quando a música certa tocar no momento exato. se eu cagasse para marcar território quem sabe alguém no futuro chamaria meus limites de cropólito. quero meu direito ao verso ruim. cheguei aqui só sabendo o que não fazer depois de feito.

quem tem fogo é quem saberá

quando faz muito barulho tendo a me calar. tenho certa sensibilidade para luz ruim, mas o som quando erra fere mais. fecham-se os olhos, mas não se cala o ouvido. o som certo me abre ao meio. no meu tórax transpõe o que estas haciendo o sopro, os metais, o que não digo em excesso ruidosamente em pequenas estruturas nervosas. a forma com que marca meu tom mais fraco. no centro do seu palco algo só meu era deflagrado. vi o que só supus poder ouvir.

repasso todas as minhas crises de ansiedade. os apagões emocionais. todas as vezes que abdiquei de sentir e entreguei meu corpo a tudo o que o mundo me exige. o depois que moralmente dói mais. ando esgotada de pensar em todas as origens de mim. veja, a despeito das minhas patas, sou pequena. já caibo em pouquíssima gentileza. um espaço mínimo na roda para eu entrar. uma pergunta que espera a resposta olhando nos olhos. um chamado para andar do seu lado na cidade. compartilhar nosso riso depois de uma piada simples. procurar na cidade de são paulo um sol que me caiba e, com sorte, ter companhia. me despedir fazendo o próximo plano. carrego sinais de muitas violências para distribuir amenidades. ainda não consigo parar as minhas defesas primárias que no fim me machucam. mas carrego um eco de rinoceronte. corro mais rápido do que aparento. e hoje, depois de ver minha cabeça na música de mariá, entendi que te entregaria tudo o que sou capaz de vibrar. não tenho roupa para o evento de te desejar em mim, mas sigo pronta.

Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o âmago dos outros: e o âmago dos outros era eu.