nota esparsa 2: mimesis

Published September 8, 2023



O que eu gosto nesse termo
é a facilidade com que ele aceita
que aquilo a que nos prestamos quando fazemos poemas é o erro,
a criação obstinada do erro,
as deliberadas difusão e complicação de enganos,
a partir das quais poderá surgir
o inesperado.

não é a sombra é a figura. não é a situação é o assunto. não é o que dá medo é sobre o correr diante dele. não é sobre o que as coisas são mas a eletricidade que ainda passa quando a gente se depara só com a gente. me toca a imagem incandiada dos meus dedos que escorregam entre os seus. é o advento da mão mais do que o movimento de pinça. alguém tenta medir o desejo dentro da caixa toráxica e isso é a sombra. a contração muscular das pernas o abdômen da pélvis os grandes grupos musculares das pernas. a distrofia lenta das canelas. o que pode manter sobre o pé a sola e o chão. um ser humano na velocidade da criação da roda caindo horizontalmente no vento. onde quer que eu relaxe abro os braços em direções opostas. os levanto. cruzo atrás da cabeça. minhas contradições fugazes. não se mantém uma afinação de diapasão sem o micromovimento das ondas na velocidade invisível dos olhos. aquilo que você só pode sentir e o silêncio. o corpo não se desconecta de mim. por vezes discordantes e, ainda assim, profundamente cúmplices. todas as vozes que escuto são mais interessantes que vocês. não é o idioma é o som antes da arbitrariedade. o átimo que a respiração sobre a entrada da orelha traz de verdade. talvez a poesia que me deram dependa da minha solidão. permaneço com as mãos nos bolsos avaliando as condições. quando as contas são complicadas faço polichinelos. não tenho preguiça de aprender. tudo o que não sei me interessa. tudo o que sei pouco é o começo. e iniciar é um ritual que faço com paixão. permanecer é um estágio de coragem que faço no desfazer dos inícios. há alguma coisa sempre ateada em fogo. me mantenho contra o vento com garras que se aloja em minha respiração. vou te chamar lá em casa quando as coisas não quebrarem mais sozinhas.

olho para trás em direção ao lampejo da sua voz o mau da vida é que não é o que cremos mas tampouco o contrário. você pode pensar o quanto for em assuntos muito importantes não há saída para atravessar só. e mesmo aquele que perde o equilíbrio, ele só o pode perder porque o teve. e encontrá-lo é sempre ali. a tudo se seguirá uma explicação. e quando a explicação é insuficiente seu tom flerta com o sarcasmo. não quero me importar com os efeitos desse caminho em direção ao que é ainda mais estranho. enquanto os animais nos olham com atenção sem tomar partido. esperam a espuma depois de me verem friccionar o dia. estamos desconfiados uns com os outros hoje: dançamos de patas dadas. não sei se me imaginei muito gato e eles muito humanos. a força disso é nos tirar a certeza do que a instituição eu pensa ser. e a paixão, essa maldade, essa vontade de testar um beijo no espelho, perde força diante da lúcida ausência do eu dançando de patas dadas. e quando o eu fissura sinto saudade do outro. dar as patas para dançar qualquer movimento possível do encontro.


deixando meu corpo absorver a pancada em dub language.